Hoje, como às vezes ocorre em circunstâncias análogas, acordei varado por uma dúvida: sobre qual tema escrever o texto que os amigos leitores irão ler a seguir? Devo escrever sobre um assunto relevante, sério, tipo preconceito, intolerância, desrespeito às diferenças, estado autoritário, policialesco e omisso na formulação de políticas públicas inclusivas, sociedade apática, violência desmedida, assassinatos covardes? Devo escrever sobre o campo minado pela difusão do ódio e pela virulência endêmica em que se transformaram as redes sociais?
Devo escrever sobre quantos, alguns até inocentes úteis, se deixam levar, sem qualquer filtragem, pelas bobagens e mentiras, pelas fake news, que ganham largo curso nas diversas plataformas informativas nascidas da Internet e as divulgam, as repassam, as compartilham como se verdades fossem?
Ou posso me permitir, como duas ou três vezes fiz neste espaço e eventualmente aconteceu nas quase três décadas e meia em que escrevo nos jornais santa-marienses, falar de um assunto mais ameno, qual seja, mais especificamente, o futebol? Futebol que, antológica frase de Arrigo Sacchi, ex-treinador da seleção italiana, é apenas a coisa mais importante das (dentre as) coisas sem importância.
Como mais me tenho ocupado em escrever sobre coisas sérias, vou me permitir, com a licença de quem não gosta de temas amenos, falar de futebol, embalado que estou por coisas que vi na Arena do Grêmio, onde estive domingo e onde vou sempre que me permitem os compromissos profissionais. Mas não pensem os amigos colorados que vou me dedicar à "corneta" ou à zombaria em razão do resultado do jogo. Não, quero afirmar, correndo o risco de dar com os burros n'água, que o jovem Arthur, volante gremista, a quem reconheci como projeto craque aos 17 anos (para confirmar tal assertiva, invoco o testemunho de meus colegas do Consulado local do Grêmio) é/será, do ponto de vista da construção do jogo coletivo, que é a essência do futebol, o maior jogador formado nas divisões de base do Grêmio e no Rio Grande do Sul.
Óbvio que se formos analisar a brilhatura individual, a fina e requintada ourivesaria construída pela técnica, não podemos ignorar Ronaldinho Moreira, que fez do jogo individual refinada e inigualável magia. Ronaldinho podia ganhar o jogo sozinho. Arthur, diferentemente, faz o time inteiro ganhar. Essa a diferença.
Sem Arthur, o time, muitas vezes, com no primeiro tempo de domingo, anda como carro atolado, aos trancos, quase arranhando a bola. Com Arthur, o jogo se abre, se ilumina e flui com a leveza e a graça de uma exibição de patinadores olímpicos.
Desculpem-me, mas, hoje, para não perder amigos (talvez, perca leitores), eu precisava falar de futebol, "la cosa più importante delle cose non importanti". De Marielle Franco, de preconceito, de intolerância, de desrespeito às diferenças e da estúpida violência que a matou - menos tocado pela emoção que seu assassinato me causou e menos angustiado com os disparates veiculados sobre ela nas redes sociais -, falarei outro dia.